Adriano Azevedo

A força das ervas: sem folha, não há Orixá
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O sacro-ofício em “sacrificar” as folhas de sua origem, é um ritual que se faz necessário o conhecimento afundo das ervas. Como tudo no Candomblé tem uma razão e nada é feito em vão, existem algumas pessoas com cargos específicos para manipulação destas folhas. Pois, desde o horário para se tirar, visto que elas também dormem, até conhecer as suas transmutações, uma vez que, de período em período algumas mudam a sua funcionalidade, a razão em conhecer os seus mistérios é de suma importância. E isso é um aprendizado baseado na experiência e observação no dia a dia do Terreiro. 

Cada Orixá tem a sua folha específica. E dentro desta dinâmica, existe um termo muito utilizado que qualifica os tipos de folhas. “Folha quente” e “folha fria”. As folhas quentes servem para os Orixás que chamamos de “Orixás de rua”; que são aqueles mais ativos em suas atividades cosmológicas, como: Exu, Ogun, Omolu, Iansã e Xangô, e que dessas folhas, também fazemos os famosos “banhos de descarrego”. Já as folhas frias, são aquelas dos Orixás mais brandos. Mas não se enganem com o seu poder! Normalmente algumas dessas folhas são achadas nos rios, charcos ou locais úmidos. Oxalá, Iemanjá e Oxun fazem uso dessas ervas, e elas também servem para acalmar o Ori -, Cabeça. Já Ossayn, Orixá detentor do poder de todas as folhas, também tem as suas específicas. Chamado de Onixegun Orixá – o Médico dos Orixás é necessário que se peça licença a ele quando estas folhas forem retiradas de sua origem, para que a magia aconteça e elas tenham o efeito que se precisa. “Ewê” é folha em ioruba. E a saudação para Ossayn, é: Ewê ô!

Da retirada do mato até o seu preparo, as folhas são acordadas, rezadas e cantadas. No oitavo e último livro lançado por Mãe Stella de Oxossi – O que as Folhas Cantam, ela traduz um pouco deste conhecimento, que de forma ontológica aborda a importância das folhas nos rituais, e que para além do uso religioso, elas também servem como remédio para o corpo físico. Vale lembrar que na década de 90 tivemos os primeiros casos de cólera no País, que para espanto das autoridades, saber que já no século XIX a mesma doença foi tratada com uma erva chamada “cabeça-de-negro”, de modo que, raro foi o paciente ter sucumbindo ao tratamento, deixa no ar uma pergunta que não quer calar: como podemos enfrentar um futuro que muitas vezes são adversos, descartando o que os mais antigos ensinaram no passado? 

As canções e rezas feitas no ato do sacrifício das folhas se parecem ao ato feito com os animais. Ao modo que, toda esta preparação é para que a energia depositada naquele propósito tenha êxito. E as folhas têm poderes mágicos, inimagináveis, que só quem já fez uso, compreende o que estou falando.     

O provérbio; Kosi ewê, kosi Orixá, que significa: “sem folha, não há Orixá”, traduz o significado essencial da exigência das ervas nos rituais. As folhas servem para ativar a energia viva dos Orixás, para que assim eles possam se materializar na forma mais bela de coexistirem, que é em nossas sensações cognitivas. O Obá de Xangô do Opô Afonjá, e também poeta, dramaturgo e compositor, Ildásio Tavares, Obá Aré, in memoriam - 1940-2010, em parceria com o cantor e compositor Gerônimo Santana, compuseram a canção “Salve as Folhas”, que na voz da excepcional, e hoje mais nova imortal da Academia de Letras da Bahia, Maria Bethânia, enobrece a canção, que mais se parece uma oração. Deixarei um trecho para que vocês percebam a capacidade que as folhas têm na liturgia do Candomblé.

Kosi ewê, kosi Orixá.
Ewê ô, ewê Orixá.
Sem folha não tem sonho.
Sem folha não tem vida.
Sem folha não tem nada...

Salvem a natureza... Salvem as Folhas!

Ewê ô!


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