Chico Maia

A formação do mercado de Arte no Brasil
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Para entender a relação do Brasil com o mercado internacional de Arte é preciso fazer um breve histórico. Como e quando emergiu um mercado de arte brasileiro? Quem foram estes protagonistas e qual o perfil destes agentes de mercado?

Na primeira metade do século XX a Europa era destruída pela Segunda Guerra Mundial, o que atingiu também boa parte de seu acervo artístico e o seu mercado de Arte. O Brasil foi um dos países que recebeu boa parte destes imigrantes que fugiam da guerra. Alguns marchands e colecionadores, como Giuseppe Baccaro, Arturo Profili, Franco Terranova, Jean Boghici, Pietro Maria Bardi e sua mulher Lina Bo, são nomes que estavam entre eles. “Esses imigrantes deram uma altivez ao mercado que não era comum entre os brasileiros daquela época”, diz o marchand Antônio Maluf. No Rio de Janeiro a galeria que mais se destacou, inaugurada em 1945, foi a Askanazy, considerada a primeira galeria de Arte Moderna do país, que realizou uma mostra com obras vetadas pelo Terceiro Reich, de artistas como Wassily Kandinsky, Paul Klee, Marc Chagall, Oskar Kokoschka e Leonel Feininger.

Esse sistema se estabelece orientado pela lógica da distinção social da elite brasileira que busca integrar à economia uma condição social mais avançada, própria do capitalismo. A criação das galerias empresariais apresentava o segmento das Artes Plásticas como sinônimo de estabilidade e investimento, onde as elites poderiam depositar seus ganhos e obter status social. O mercado de Arte brasileiro nasce neste contexto, pela ação de alguns marchands no Rio de Janeiro e em São Paulo, que deslocam o objeto de Arte dos antiquários para as galerias.

Um casal de argentinos, os ‘Bonino’, em 1960, inaugura a Galeria Bonino, no Rio de Janeiro, e com sua experiência articula com mercados externos, entre as décadas de 1960 e 1970. Franco Terranovainaugurou a Petite Galerie, no Rio de Janeiro, em 1954. Jean Boghici, em 1960, abriu a Galeria Relevo, difundindo os jovens da vanguarda artística carioca. Menos atuante no mercado de Arte neste período, São Paulo teve o marchand Giuseppe Baccaro, que inicialmente organizava leilões, e montou em 1962 a galeria Selearte. Também surgiram a Atrium, a Ambiente e a Seta, esta última onde atuava o marchand Antônio Maluf.

Neste período a figura do ‘negociante de arte’ é marcante, pois oinvestimento de capital e o apoio financeiro a produção de alguns artistas, adquirindo suas obras e interferindo em suas carreiras, foi fundamental. Um papel importante que criava um estilo mais moderno e que correspondia às mudanças na economia brasileira. Como muitos eram estrangeiros e trouxeram o know-how e experiência de outros centros urbanos, de maior tradição cultural, estabeleceram contatos internacionais para os artistas. A maioria era procedente da Itália e da França, países de grande tradição nas Artes, um fator que contribuiu decisivamente para a profissionalização da carreira daquela geração. As galerias articulavam suas atividades junto à críticos, museus, salões, etc. fortalecendo o setor artístico cultural, atuando como instituições de legitimação, além do aspecto meramente comercial das obras.

Um outro fator de modernização neste sistema foi a divulgação através da mídia, principalmente os jornais. Colunas de arte e artigos de críticos eram publicados quase que diariamente, Jornais como O Globo, Jornal do Brasil e a Folha de São Paulo, divulgavam mostras, Bienais, Salões, etc. Enquanto especialistas como Mario Pedrosa, Aracy Amaral, Ivo Zanini, José Geraldo Viera, etc. apresentavam crítica especializada sobre estes eventos que contribuía também na formação de público.

O Museu de Arte Brasileira, da FAAP, foi inaugurado em 1961, o MAC/USP em 1963, O MAM do Rio de Janeiro inaugurou um pavilhão para exposições em 1967. O papel do Estado brasileiro foi determinante no desempenho destas instituições, já que as verbas públicas exerciam um ‘mecenato estatal’, de forma encoberta.  Havia um gerenciamento particular que protagonizava políticas próprias, como o de Ciccilo Matarazzo, na Bienal de São Paulo; Assis Chateaubriand, no MASP e Terezinha Muniz Sodré, no MAM/RJ, que faziam a gestão destes recursos para a construção e manutenção dos prédios, além da formação de acervo e realização de eventos.

A década de 1970 foi marcada com um aumento no volume e na dimensão do mercado de Arte brasileiro, que vem fortalecer o elitismo social. A compra e a comercialização de obras de arte seguem a lógica do capital especulativo semelhante às aplicações imobiliárias. Grupos financeiros, como o Banco Real e o Banco Nacional estiveram ligados aos leilões de arte. Um fenômeno a se destacar é que a maioria das obras dos modernistas brasileiros ficaram concentradas no Brasil. Os altos valores alcançados no mercado interno desestimularam o comércio internacional, ainda que em termos estéticos a produção brasileira estivesse alinhada aos movimentos internacionais. A legislação tributária com alíquotas elevadas dificulta a entrada e a circulação de obras estrangeiras no País, até hoje. O Brasil fechou a porta para o mercado internacional de Arte.

A modernização da economia, profissionais melhorando o poder aquisitivo, os novos executivos, os empresários, os profissionais liberais, etc., promovem a entrada no mercado da obra múltipla. Gravuras assinadas e numeradas, pequenas esculturas de bronze, de cerâmica e de resina ganham espaço em inúmeras galerias. Uma diversidade na produção que amplia os negócios de Arte e estimula a criação dos contratos de exclusividade, entre artistas-marchand-galeria. Um mercado que cresceu e se especializou alcançando diferentes públicos e diferentes produções.

Em 1977, um censo constatou a existência de 46 galerias de arte em São Paulo; e de 3 leilões de arte, em 1967, passaram para 80 em 1979. Enquanto os valores dos negócios passaram de Cr$ 1 milhão para Cr$ 40 milhões, atingindo a casa dos Cr$ 70 milhões, em 1973. Contando sempre com o forte apoio estatal o mercado de Arte tornou-se cada vez mais um ambiente de investimentos seguros, legitimação e status econômico para as novas elites. Uma elite que se relaciona com o status social promovido pela sofisticação dos seus hábitos de consumo e pela ostentação.

Por meio da especialização algumas galerias passaram a focar em gravuras, Arte conceitual, objetos, ou, numa produção mais acadêmica e tradicional. O setor comercial vai assim a cada momento constituindo-se como legitimador do valor simbólico das obras, produtos e processos artísticos por meio de suas relações com os demais atores e instituições deste sistema. Expor um artista, em determinadas galerias, com a apresentação de um crítico, que muitas vezes era um contratado indireto, divulgar o evento pelos meios de comunicação ou referenciá-lo com discursos próprios, acrescentava à obra um valor artístico que serviria de lastro para seu valor no mercado. 

 

“O círculo se fechou e nós ficamos presos dentro dele”.

(Pierre Bourdieu)


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