Adriano Azevedo

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Hoje irei falar de Onésio dos Santos, mais conhecido por Nezinho ou Alabê Nezinho. Esse Inesquecível foi o responsável pela minha formação sacerdotal como Alabê – Instrumentista responsável pelos toques e preservação dos Ilú – os Atabaques. Filho de Omolu, Nezinho é filho do Opô Afonjá desde a gestão de Mãezinha – segundo relato de Egbome Tutuca. Ela me disse que quando aqui chegou, Nezinho já se fazia presente. Acredito que ele seja bem mais antigo do que parece. Presumo que ele seja da época de Mãe Senhora. Mas o fato é que quando eu nasci, Nezinho já era o Grande Alabê do Opô Afonjá. Toda e qualquer obrigação na qual se fazia necessária a presença dos Atabaques, Nezinho estava apostos. Assim como o adjá – campana utilizada pela Iyalorixá para chamar o Orixá. A utilização deste instrumento é indispensável nas mãos da mãe de santo; Nezinho era com o aguidavi – baqueta utilizada nos Atabaques para a produção do som. Ele não largava seu aguidavi por nada.

A sua participação em minha formação como Alabêa contece a partir da minha paixão pelos Atabaques e pela minha vocação como tocador. No entanto, tal habilidade nunca era reconhecida pelo Mestre Nezinho, por mais que eu dissesse que sabia tocar: ele já tinha – até – me visto tocando! A desculpa que ele me dava era porque a minha posição no Terreiro era outra – eu sou Obá de Xangô e, ele dizia: “seu lugar é sentado ao lado da mãe de Santo!” E para amenizar minha frustração e desejo de tocar naqueles instrumentos sagrados, era minha mãe quem sofria as consequências, pois seus baldes serviam como atabaques improvisados. Além disto, também confeccionava pequenos instrumentos feitos com latas de leite, resto de couro e elásticos para afinação. E assim, fui aprimorando o meu intento.
Quantas madrugadas eu levantei para ajudá-lo a “salvar a casa” na alvorada: esse é o termo que os antigos utilizavam e que, ainda hoje, fazemos uso. Salvar a casa é o prenúncio da festa à noite. Na maioria das vezes ele sempre estava sozinho. Quando ouvia os primeiros toques do Atabaque, antes mesmo do nascer do sol, eu despertava. Saia de casa na pontinha dos pés, sem que meus pais percebessem e seguia para o barracão. Acreditem no que digo: mesmo assim – sem platéia e sozinho – Nezinho não me deixava tocar nos Atabaques! Entregava-me o agogô e dizia: “Para ser um bom Alabê e poder tocar no Atabaque, primeiro você tem que começar pelo xequerê - cabaça. Depois passa para o agogô. É o Agogô quem rege a orquestra. Ele é o maestro! Então, toque primeiro o agogô pra depois passar para o Lé; depois para o Rumpi e, assim, poder tocar no Run. Tenha paciência!” Desse jeito, ele ficava me dando esse “chá de espera”. Contudo, comecei a perceber que essa proibição de não me deixar tocar não era pelo simples fato de eu ser Obá. Nezinho era muito Caxias, afinal de contas, ele havia passado por procedimentos ritualísticos, assim como os Atabaques. Portanto, comecei a perceber que todo aquele rigor era a forma que ele tinha de proteção com o sagrado, ou seja, os Atabaques. Eu era somente um garoto fascinado em tocar. Aprendi que tocar não é simplesmente tirar som do instrumento: é se conectar diretamente com o Orixá, pois é através dos Atabaques que os Orixás chegam no Aiyê - Terra. Hoje eu sei disso!

Além de um exímio tocador de Atabaque, Nezinho também foi um habilidoso artesão de esculturas em madeira. Foi ele quem nos ensinou a fazer os tão famosos Oxê – Machado de Xangô. Eu; Tavinho; Rubinho; Carlos Geraldo; Uilton; Petinho; Valnei e Bié éramos os seus discípulos. Eu não levava muito jeito: os meus sempre quebravam, mas os meninos até hoje são craques. Meu negócio era tocar [risos]. Após a partida de Nezinho para o Orun, uma nova geração começou a seguir a prática da confecção do Oxé, mesmo sem o terem conhecido ou aprendido com ele. Eduardo, mais conhecido por Guelê e Jefferson – Nino são provas de que a Ancestralidade é viva, pois são caprichosos desde a escolha da madeira para fazer esculturas em miniaturas. Eles usam desde o entrecasco da cajazeira até madeiras mais robustas, como maçaranduba. Os meninos são especialistas. Hoje quem segue com esta tradição é o Guelê – filho de Omolu, assim como o velho Nezinho.

Em conversa com Egbome Tutuca, ela me contou várias passagens engraçadas com Nezinho. Se eu compilar com as minhas reminiscências, daria um livro. Aqui agora, escrevendo essas linhas, me flagro em alguns momentos fechando meus olhos e quase consigo ouvir sua voz me chamando para pegar comida pra ele nos dias de festa. Sem vergonha, aqui eu confesso: eu realizava esta tarefa objetivando – em algum momento – tocar junto ao velho Mestre. Em outras palavras, ficava puxando seu saco [risos]. “Adrianinho, por favor, compre um charuto pra mim lá em Láu”; Adrianinho, por favor, segure o Atabaque aqui...” em todas as ocasiões, eu, prontamente, estava apostos. Enfim, o grande dia chegou. Num dia de festa pra Ogun, eu pude sentar e tocar ao lado do Mestre. Os olhos atentos aos Orixás e também em mim não me constrangiam. Eu sabia o que estava fazendo. Aprendi a me conectar com o Orixá, e por isso dei o meu melhor: fui aprovado. No entanto, ele não cansava em me dizer: “o seu lugar é do lado da mãe de Santo. Você é Obá!” [risos]. Sabendo disso, eu sempre esperava ser chamado, ou na ausência dos outros Alabês eu ficava ali – com  meu aguidavi na mão – aguardando o meu momento.

Foi Nezinho quem me ensinou a chamar os Orixás através dos Atabaques. 

Salve Nezinho, o Chamador de Orixá.


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