Adriano Azevedo

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Como o tempo passa rápido! Parece que foi ontem quando eu e Nivaldo (in memorian), filho de Oxalá e Ogan de Yansã, saímos por essas estradas da Bahia em busca de um boi pra comprar. Era uma maratona: comprávamos o boi; deixávamos engordando por mais algum tempo, e depois trazíamos para Salvador. Chegando aqui, descansava por mais alguns dias na roça de Bispo, um irmão da casa, daí era levado para o local do sacrifício.

Em um dos meus inúmeros momentos de boa conversa com minha tia e Mãe Stella, ela me contou que antigamente as filhas de santo desciam até a feira de Água de Meninos para comprar as partes fundamentais do boi para o ritual litúrgico. Nivaldo teve a brilhante ideia de dar um boi vivo para Oxossi. A partir daí, começou a nova trajetória do boi de Oxossi e que há 20 anos segue como tradição do Opô Afonjá e tem muitas histórias pra contar.

Durante todos esses anos coisas inesquecíveis aconteceram. Houve momentos de muito riso, estresses, desgastes físicos e emocionais - pois carregar um boi de mais de 20 arrobas pra colocar na caminhonete de Bispo, definitivamente, não era fácil. Lembro-me de uma ocasião em que o boi se soltou e correu atrás do povo: foi uma correria danada. Enquanto uma voz de longe e até hoje desconhecida cantava: “Ariri vaqueiro... Segure esse boi, que esse boi é pra dar...”. Eu não sabia se dava risada ou se corria atrás do boi. Outros fatos como este marcaram o dia que antecede à festa de Oxossi, que acontece no dia Corpus Christi.  

Certa feita houve um atraso na chegada do boi à Salvador. Quando chegamos, fomos direto para o local do sacrifício, escolhido de última hora. Paramos numa região de mato verde no bairro de Pituaçu e já passava das 17 horas. Estava tudo escuro e chovia muito. Tiramos o boi da caminhonete de Bispo e o grande Afikodé, tio Renato (in memorian), já bem velhinho e sem o movimento de um dos braços - decorrente de um derrame, autorizou o sacrifício. Chico (in memorian), um amigo e colaborador do Axé, que foi magarefe em sua juventude, e que durante muitos anos foi o responsável pelo sacrifício e divisão das carnes, começou o ritual.

Lá pras tantas, com metade do boi já destrinchado, uma luz forte invadia o mato com velocidade. Para nossa surpresa, eram dois carros da polícia. Eles chegaram de arma em punho e gritando, mandando todos levantarem as mãos: desespero total. Chico começou a tremer, pois estava com a faca na mão e achou que os policiais poderiam atirar. Lucas, Ijitonilê, começou a rir da cara de Chico; meu pai Adriano (in memorian), com toda a calma do mundo, colocou as mãos na cabeça; tio Renato - por estar com um lado paralisado devido ao derrame, não conseguia erguer o outro braço, então disse: “A lei tem que ser respeitada, mas eu tenho limitações, por isso irei colocar uma mão na cabeça de cima...” e assim ele fez. E eu, me confiando em Nivaldo que era policial civil aposentado e, com certeza, iria ajeitar a situação, coloquei as mãos na cabeça e esperei o fim da averiguação. Então, quando Nivaldo se identificou, tudo se resolveu.

Após a partida para o Ọrun dos precursores desta tradição, não podíamos deixar o “dia do boi de Oxossi” morrer no tempo. De um tempo pra cá, alguns filhos da casa se reuniram e começaram oferecer o boi pra Festa de Oxossi. Eu ainda continuo nesta maratona e, não muito diferente dos anos anteriores, cada ano tem um caso engraçado. Em 2012, já sem a velha guarda, seguimos com Régio de Oxalá (in memorian); Osvaldo de Oxaguian; Cesário de Xangô e Bispo em busca do tão esperado boi, que alimenta tanta gente.

Hoje, 07 de junho de 2023, com muita saudade, sou levado pelas recordações dos momentos inesquecíveis da saga do boi de Oxossi. Saudade dos irmãos que partiram para vida eterna, e deixaram registrados em minha memória e no meu coração momentos de aprendizado, felicidade e muito Axé.

Dedico esta recordação aos memoráveis: Tio Renato Afikodé; Chico; Nivaldo; meu pai Adriano; Régio e Valdemir, que durante anos estiveram firmes nesta grande aventura. Mas em especial a Nivaldo, pois tudo isso só foi possível acontecer a partir do primeiro boi que ele ofertou pra Oxossi.

Nivaldo Alaboalê, presente!     

PS. Memória escrita em 07 de junho de 2012, e readaptada em 07 de junho de 2023.

Salve Oxossi!


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