Chico Maia

O surgimento da Arte conceitual

No início do século XX, em 1917, um episódio marcou a História da Arte. O Artista francês, Marcel Duchamp, essencialmente irreverente no fazer artístico da sua geração, com produções consideradas polêmicas para um sistema ‘clássico’ que dominava a Arte da Europa, utilizou a relação de ‘poder’ que as novasinstituições do sistema constituíram e ironizou afirmativamente a sua existência. Ele demonstrou de que forma o papel daqueles ‘novos agentes’ interferem no percurso da obra. 

Havia deixado a Europa para morar nos EUA por considerar que estava ‘estagnada’ criativamente e encontrou na América o ambiente ideal para sua Arte. Duchamp é o criador do conceito de ‘ready made’, nas Arte plásticas. O que a princípio, segundo biógrafos, surgiu como uma espécie de brincadeira com os amigos, Francis Picabia e Henri-Pierre Roché, também artistas. Tratava de um entendimento, segundo ele, de que materiais de uso comum, elementos e objetos da vida cotidiana, a princípio não considerados como ‘objetos artísticos’ podem ser transportados para o campo das Artes. E, ao invés de trabalhá-los artisticamente ele os considerava como ‘prontos’ e os expunha como obras de Arte.

Com uma obra intitulada ‘Fontaine’, A Fonte, Duchamp apresentano Salão dos Independentes, de Nova York, um mictório de cerâmica industrializado como uma escultura de sua autoria. O fato, além de ser uma proposição inusitada naquele contexto,reverbera ainda mais porque ele se inscreveu no Salão e assinou a obra com o pseudônimo de ‘R. Mutt’, um personagem construído por ele para ser ‘laboratório’ de suas incursões artísticas. Assim, aquilo que poderia parecer uma brincadeira, que hoje chamaríamos de ‘pegadinha’, tencionou os papéis dos agentes deste sistema, a materialidade do objeto, a autoria, o conteúdo, a linguagem, a legitimação, o espaço, a temporalidade, etc. E, detalhe, o próprio Marcel Duchamp neste episódio, era membro do corpo do júri que recusou a sua ‘fonte’. 

[...]’Eu estava no júri, mas os organizadores não sabiam que era eu quem o tinha enviado; eu inscrevera o nome de Mutt para evitar referências a questões pessoais [...] Mas mesmo assim era bastante provocador [...]’

 

(Entrevistas com Piere Cabanne, Marcel Duchamp, ingénieur du temps perdu, p. 93)

Anne Cauquelin, no seu livro “Arte Contemporânea: Uma introdução”, se refere a Duchamp como um embreante da arte contemporânea, um fenômeno capaz de produzir efeitos e referenciais até ao tempo presente. A ruptura entre os dois modelos e sistemas, o da arte moderna e o da arte contemporânea, é um exemplo de personagens singulares nas suas práticas, que a princípio desarmonizam, mas que formam os prelúdios de uma nova realidade. O ‘fenômeno Duchamp’ influencia diversos artistas e a arte contemporânea, correspondendo às expectativas de um novo modelo de relação e sistema de arte contemporâneo - o entendimento de que o artista não é um elemento à parte, mas participa de uma cadeia de comunicação que se encerra si própria. A questão é: Quem determina que a escolha do artista e o local onde a sua obra estará exposta é Arte ou não?

Outros artistas nas décadas seguintes questionaram o papel das instituições no mundo da Arte, como dos museus e das galerias, e discutiram os negócios da Arte. Mas, por mais radical ou efêmera que fossem essas críticas, ou difíceis de serem usadas como objetosde arte, muitas obras com esse conteúdo crítico foram utilizadas,tanto pelos artistas quanto pelas instituições, para acumular capital cultural, credibilidade ou prestígio, e acabaram atendendo àsaspirações políticas ou ‘teóricas superiores’, gerando uma aura de vanguarda ou seriedade intelectual aumentando ainda mais a influência desses agentes que atribuem o ‘valor da obra de Arte’.

 

 

Chico Maia

[Graduado em Artes Plásticas pela Escola de Belas Artes - UFBA; pesquisador acadêmico sobre ‘Sistema e Mercado de Arte’; Curador; Galerista e Produtor de Arte]


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