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Comissão de ética pede à PGR a investigação de 200 mortes em estudo com proxalutamida no Amazonas

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Comissão de ética pede à PGR a investigação de 200 mortes em estudo com proxalutamida no Amazonas

O remédio, um bloqueador hormonal ainda usado em caráter experimental em todo o mundo

Por Da Redação
Comissão de ética pede à PGR a investigação de 200 mortes em estudo com proxalutamida no Amazonas
Foto: José Cruz/Agência Brasil

A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) pediu à Procuradoria-Geral da República que investigue as circunstâncias em que ocorreram as 200 mortes registradas num estudo conduzido com a proxalutamida no Amazonas no início deste ano. O remédio, um bloqueador hormonal ainda usado em caráter experimental em todo o mundo.

Na denúncia apresentada no último dia 3, o órgão responsável por fiscalizar a pesquisa científica no Brasil apontou uma série de irregularidades no ensaio clínico realizado em diversas cidades amazonenses sob a liderança do endocrinologista Flávio Cadegiani. Entre elas, o fato de o ensaio ter sido levado ao Amazonas sem autorização da Conep, e das mortes não terem sido reportadas no prazo regimental de 24 horas.

A proxalutamida ganhou notoriedade nacional depois de uma transmissão na internet realizada em 11 de março pelo grupo responsável pelo estudo da proxalutamida, que anunciou uma redução de 92% no número de mortes de pacientes graves da Covid-19. A partir daí, o remédio passou a ser citado com frequência pelo presidente Jair Bolsonaro e por seu filho, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

Depois da live, a Conep passou a requisitar esclarecimentos aos pesquisadores sobre as mortes. No histórico apresentado à PGR, o coordenador da comissão, Jorge Venâncio, diz que inicialmente foram reportadas 170 mortes no ensaio clínico. Após uma emenda, esse número passou para 178 e, por fim, 200.

Além de não relatar as mortes à comissão, os pesquisadores também não detalharam as condições clínicas dos voluntários que faleceram. Por isso, na avaliação de Venâncio, não é possível “descartar a possibilidade de morte provocada por toxicidade medicamentosa ou por procedimentos da pesquisa”.

Pelas regras do Conselho Nacional de Saúde (CNS), os pesquisadores tinham que ter interrompido o estudo após o óbito de voluntários, para averiguar se era a proxalutamida que estava provocando as mortes - ou, ainda, se havia problemas na metodologia. Visto que o ensaio era do tipo duplo-cego, quando cientistas e pacientes não sabem quem recebeu a droga e a substância placebo. Para o espanto da própria comissão, porém, os pesquisadores continuaram a recrutar e a conduzir o ensaio clínico como se estivesse tudo normal. 

Entre inconsistências e desrespeitos frontais a normas previstas em resoluções do CNS, a Conep concluiu que os responsáveis pela pesquisa desrespeitaram quase todo o protocolo aprovado em 27 de janeiro. Fala-se, ainda, em obstrução das apurações e riscos à segurança e aos direitos dos voluntários.

Em primeiro lugar, o estudo nem sequer poderia ter sido realizado no estado do Amazonas. Ao registrá-lo na Conep, em 10 de janeiro, Cadegiani informou que a proxalutamida seria usada em sua clínica de endocrinologia em Brasília. Mas começou a aplicá-la por conta própria no Amazonas ainda em fevereiro, e só depois pediu para estender a pesquisa a Manaus, Parintins, Itacoatiara, Coari, Manacaparu, Maués e Manicoré. 

A Conep não havia autorizado a mudança, mas àquela altura isso já não fazia diferença, porque o remédio já havia sido aplicado nos pacientes de Covid de todos esses lugares. 

Além disso, o grupo, liderado por Cadegiani e patrocinado pela rede de hospitais privada Samel, não respeitou o número de voluntários previsto no desenho original do estudo. Enquanto a comissão deu parecer favorável a um ensaio com 288 pacientes, o endocrinologista apresentou no fim de abril - três meses depois - uma emenda ampliando o número de voluntários para 588.  E, ao final, entregou um parecer com resultados de 645 pessoas, com as atas de apenas três dos nove centros de referência do Amazonas para os quais havia pedido autorização.

Outro problema descrito na denúncia à PGR é que o perfil dos voluntários mortos era totalmente incompatível com o perfil clínico de pacientes registrado na Conep. Ao submeter o ensaio à comissão, Cadegiani afirmou que a proxalutamida seria administrada em pacientes leves e moderados, mas os resultados mostravam que os óbitos foram atribuídos a insuficiência renal ou hepática, características de pacientes muito graves, que não eram o objeto do ensaio. 

Por fim, a comissão identificou ainda problemas sérios na formação do comitê independente, exigência da própria Conep para a realização de ensaios clínicos. A função desse comitê é supervisionar as condições éticas e de segurança na pesquisa e, se for o caso, determinar a interrupção dos trabalhos - como aconteceu algumas vezes no desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19. 

No caso da proxalutamida, porém, havia um "patente e inequívoco conflito de interesses” na composição do comitê. Os pareceres submetidos à Conep são assinados por Maja Kovacevic, pesquisadora clínica da própria Applied Biology - empregadora de Cadegiani, patrocinadora do estudo e parceira da desenvolvedora da proxalutamida, a chinesa Kintor Pharmaceuticals. 

Além dos dados sobre os voluntários mortos, também não foram entregues à comissão os termos de consentimento assinados pelos pacientes. 

Por meio de nota, o endocrinologista Cadegiani afirmou que as conclusões da comissão “não são definitivas” e “ainda pendem de julgamento por autoridades competentes”. O pesquisador alegou, ainda, que “não houve absolutamente nenhuma irregularidade no estudo e tampouco uma única morte” decorrente da droga. A Samel informou que não responderá mais às demandas jornalísticas.

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