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Desigualdades tornam o empreendedorismo de mulheres negras mais vulnerável

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Desigualdades tornam o empreendedorismo de mulheres negras mais vulnerável

Estudo aponta que negras são minoria no setor

Por Ane Catarine Lima
Desigualdades tornam o empreendedorismo de mulheres negras mais vulnerável
Foto: Getty Images

O levantamento Empreendedorismo Negro no Brasil, realizado pela PretaHub, aponta que empreendedores negros são responsáveis por movimentar R$ 1,7 trilhão por ano no Brasil. Além disso, pessoas não brancas são maioria no setor e representam cerca de  51% dos brasileiros que empreendem. Ser maioria, entretanto, não garante maiores oportunidades nesse caso. Mulheres negras, por exemplo, ainda são minoria no setor. Além disso, conforme o levantamento, empreendedoras negras enfrentam muito mais dificuldades para conseguir investimentos, faturam menos e poucas empregam ao menos um funcionário. 

O relatório Empreendedorismo Feminino no Brasil (2021), produzido pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), evidencia um dos aspectos das desigualdades racial e de gênero existentes no país. No Brasil, 8,6 milhões de mulheres são donas de negócios. O número é equivalente a 33,6% do total de pessoas que empreendem no país, uma porcentagem pequena quando comparada à de homens (66,4%), mas que fica ainda menor quando é feito o recorte racial: mulheres negras correspondem a 47% do total de empreendedoras.

Esse problema não é atual. A desigualdade vista no empreendedorismo é apenas uma das consequências de um país que foi estruturado pelo racismo e pelo machismo. Essa realidade é vivenciada e relatada pela afroempreendedora Laís Lage, criadora da Saravá Sustentável, que há dois anos investe no setor de sustentabilidade. “As mulheres têm dificuldades de empreender por conta do machismo estrutural. E as mulheres negras têm dificuldade dupla, por causa do machismo e do racismo. Além de sermos invisibilizadas, nós não temos muitas oportunidades ao nosso alcance”, afirma.

Já a empreendedora negra Tamila Dos Santos disse, em entrevista ao Farol da Bahia, que precisa enfrentar diferentes marcadores sociais todos os dias. “Ser mulher negra e empreendedora é enfrentar as diversas interseccionalidades. O que é isso? Então, nós utilizamos esse termo para referenciar uma pessoa que faz parte de diversos subgrupos. Nesse caso, mulheres e negras. Além disso, também não se pode excluir as questões de classe social. Não dá para negligenciar o quesito social quando se fala de mulheres negras no Brasil, que a gente sabe que ocupa os piores rankings de empregabilidade”, disse

“Ser mulher negra e empreendedora no Brasil é já se deparar com esse contexto de iniquidades, principalmente dentro do setor empreendedor. Até mesmo porque quando a gente empreende já tem uma certa ação discriminatória por sermos mulheres e, além disso, por sermos negras. Isso se expressa no acesso ao microcrédito, na própria confiança que os clientes e investidores têm em relação ao desenvolvimento do negócio. A desigualdade também afeta na sustentabilidade e solidez do negócio da mulher negra. É como se a gente já iniciasse com um passo a menos, tendo que provar constantemente que somos boas. Isso significa que as empreendedoras negras precisam trabalhar duas vezes mais para conseguir o mínimo de respeitabilidade”, completou Tamila Dos Santos, que é dona do Afroimpacto. 

Ainda em entrevista, ela falou sobre as consequências do racismo na economia do Brasil. Segundo ela, o racismo é um problema estrutural que vem de uma herança atrelada ao colonialismo, capitalismo e a desigualdade de classe. “As consequências para a população negra desse processo perpassa de geração a geração. Então, quando a gente fala sobre desigualdade econômica no Brasil não tem como não falar sobre racismo”, disse.

“A gente, enquanto pessoa negra, vem processos de herança de escravização e colonialismo que marcaram a nossa vida e que traçam um perfil socioeconômico. Então, sim, o racismo traz consequências diretas sobre a desigualdade econômica no nosso país. Afinal, nós, pessoas negras, tivemos poucas possibilidades de mudar essa narrativa que foi construída com base nessa herança colonialista. O racismo estrutural perpassa as organizações e faz com que pessoas negras, por exemplo, tenham pouco acesso ao microcrédito porque se parte de um pressuposto de que a gente não consiga dar conta”, completou. 

O relatório Empreendedorismo Feminino no Brasil (2021) indica que as regiões Norte e Nordeste concentram as maiores porcentagens de mulheres negras empreendedoras. Na Bahia, estado onde Laís Lage e Tamila Dos Santos atuam, elas correspondem a 82%. Contudo, Laís aponta que aquelas que possuem negócios ligados ao ramo de produtos sustentáveis são negligenciadas.

“As mulheres que ganham destaque no setor de negócios ecológicos são do eixo Sul-Sudeste. Os eventos que abordam a pauta da sustentabilidade, raramente chamam pessoas negras para falar, não há um recorte racial na abordagem feita sobre os negócios ecológicos”, afirma. Segundo ela, trata-se de uma invisibilização social que negligencia, inclusive, a cosmovisão das comunidades e povos tradicionais, já que entre os povos negros e indígenas a relação harmônica com os recursos naturais é um dos princípios basilares. 

Além da baixa representatividade numérica e invisibilização, Laís aponta outros entraves para a atuação dela como empreendedora no setor de negócios ecológicos. “Existe uma defasagem com relação à legislação e a configuração das empresas que têm surgido, com isso muitos negócios de impacto não conseguem se adequar por não cumprir uma série de exigências que não se aplicam à sua atuação”, explica. Além disso, ela evidencia a falta de incentivos para empresas que contribuem com a diminuição dos impactos ambientais no pós-consumo, como é o caso da Saravá que aposta em produtos e embalagens biodegradáveis e compostáveis. 

O levantamento realizado pelo Sebrae, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, aponta que as desigualdades sociais existentes entre mulheres brancas e mulheres negras é outro fator que dificulta o afroempreendedorismo feminismo. De acordo com as instituições, 36% dos negócios gerenciados por mulheres negras foram fechados, ainda que temporariamente, no primeiro ano de pandemia da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. 

A pesquisa, que ouviu empreendedoras de todo o país, indica que a impossibilidade de atuar remotamente somada à dificuldade de acesso a crédito foram os fatores que mais contribuíram para esse cenário. O levantamento apontou que 58% das mulheres negras que solicitaram empréstimo tiveram resposta negativa, 25% por possuírem CPF negativados.

"A Saravá participava de muitas feiras e, em algumas delas, já era reconhecida pelo público. Com a pandemia, eu precisei ser mais criativa nas redes sociais, evidenciando as possibilidades de entrega e a segurança que esse modelo teria, além de começar a produzir um site de vendas", conta Laís Lage sobre como driblou a situação e conseguiu se manter no mercado.

Saravá Sustentável

A Saravá Sustentável (@saravasustentavel) foi idealizada em 2016, quando Laís Lage não conseguia encontrar estabelecimentos em Salvador com apelo voltado à sustentabilidade, que disponibilizassem produtos ecológicos, voltados para a educação ambiental e às mudanças de hábitos no cotidiano. 

Afroimpacto

O Afroimpacto (@afroimpacto), negócio social de educação criado em 2019, tem o objetivo de fazer com que o empreendedorismo seja acessível para todos, sempre com foco na pessoa negra. “A gente impulsiona negócios e pessoas pretas através de uma educação empreendedora acessível. Nós realizamos cursos, consultorias, programas de desenvolvimento e eventos para fazer com que esse conhecimento sobre o empreendedorismo chegue até pessoas negras de uma maneira fácil e com linguagem e valores acessíveis”, explicou Tamila Dos Santos.   
 

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