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Projeto perfura subsolo da amazônia para estudar mudanças climáticas

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Projeto perfura subsolo da amazônia para estudar mudanças climáticas

Sedimentos acumulados ao longo do tempo funcionam como um arquivo do passado da amazônia.

Por FolhaPress
Projeto perfura subsolo da amazônia para estudar mudanças climáticas
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Após oito meses no Acre, pesquisadores do Projeto de Perfuração Transamazônica (Trans-Amazon Drilling Project, ou TADP, na sigla em inglês) concluíram a primeira fase de um megaprograma científico internacional que tem o objetivo é estudar a origem e a evolução da amazônia e do clima da América do Sul tropical.

As operações de sondagem com a abertura de um poço no subsolo do município de Rodrigues Alves (626 km de Rio Branco), no norte do Acre, resultaram na coleta de 870 metros de testemunhos contínuos a 923 metros de profundidade, o que é considerado um marco na ciência brasileira. A próxima etapa do TADP ocorre na Ilha do Marajó, no Pará.

"Isso documenta as últimas dezenas de milhões de anos de história da amazônia, que é o período mais importante, pois foi quando se originou a amazônia megabiodiversa como ela é hoje", diz André Sawakuchi, do IGc (Instituto de Geociências) da USP, e um dos coordenadores da iniciativa. "Recuperamos um material que não tem precedentes para estudar a história da amazônia."

Os testemunhos coletados são amostras cilíndricas de sedimentos e rochas sedimentares da era geológica do Cenozoico, possivelmente das épocas do Mioceno, Plioceno e Pleistoceno, que representam os últimos 23 milhões de anos. Os testemunhos foram coletados em secções com até 3 m de comprimento e 8,3 cm de diâmetro.

Os sedimentos acumulados ao longo do tempo estão organizados em camadas, que funcionam como um arquivo do passado da amazônia. São detritos produzidos pelo intemperismo das rochas e pelas plantas e transportados pelos rios até as bacias sedimentares --depressões onde eles se acumulam e se transformam em rochas com o decorrer do tempo.

Essas camadas guardam informações sobre o clima da América do Sul no passado, as antigas florestas, as formações montanhosas e os cursos dos rios que existiram na amazônia. Nesses sedimentos, os pesquisadores vão estudar microfósseis, minerais e material orgânico, para reconstituir a diversidade das florestas e como eram o clima, o relevo e os rios do passado. A literatura científica ainda não conseguiu uma explicação única para a origem e a evolução da amazônia, por isso a relevância e originalidade do projeto.

"Em termos de ciência básica, é o progresso do conhecimento humano em entender uma parte única do planeta, porque a amazônia, além de ser a maior e mais diversa floresta tropical do mundo, hospeda 11 dos 20 maiores rios do planeta e representa o coração da monção da América do Sul, que é um dos principais elementos do clima global", explica Sawakuchi.

"Para entender o que aconteceu no passado geológico com mudanças de momentos climáticos completamente diferentes, por meio do projeto TADP, a gente consegue ter uma ideia do que poderá acontecer no futuro com o aquecimento global", diz Cleverson Guizan Silva, professor da UFF (Universidade Federal Fluminense) e também um dos coordenadores do TADP.

A primeira fase do projeto no Acre envolveu até 60 pesquisadores brasileiros e estrangeiros da equipe científica, entre geólogos, geofísicos, geógrafos, oceanógrafos, paleontólogos, paleoclimatólogos e biólogos, e mais 20 profissionais da Geosol, empresa responsável pela operação de sondagem, entre sondadores, engenheiros de fluido, eletricistas, mecânicos, técnico em segurança do trabalho entre outros.

Os cientistas trabalharam de segunda a segunda, revezando-se em turnos de 12 horas.O investimento necessário para a sondagem é de cerca de US$ 3,9 milhões (R$ 19,7 milhões). Desse total US$ 1,1 milhão é financiado pelo ICDP (International Continental Drilling Program), US$ 1,1 milhão pela NSF (National Science Foundation), dos Estados Unidos, US$ 700 mil pelo STRI (Smithsonian Tropical Research Institute), com sede no Panamá, e US$ 1 milhão pela Fapesp (Fundação de Amparo e Pesquisa do Estado de São Paulo), que também contribuiu com mais R$ 1 milhão em bolsas de pesquisa e outros recursos e despesas do projeto.

Os testemunhos recolhidos no Acre foram transportados de caminhão até a USP. De lá, serão enviados, via porto de Santos, para o repositório do ICDP, na Universidade de Minnesota (EUA). Uma sessão para a descrição e análise inicial das amostras será feita no segundo semestre de 2024.

Na bacia sedimentar do Acre, a expectativa era atingir 2.000 metros de profundidade e coletar amostras que revelariam informações ainda mais antigas, de 65 milhões de anos atrás, mas a equipe enfrentou desafios na operação.

"Tivemos uma série de grandes dificuldades, incluindo obstruções e colapso do poço, e não conseguimos recuperar nenhum testemunho durante quase dois meses", explica Sheri Fritz, do departamento de ciências da terra e atmosféricas da Universidade de Nebraska (EUA) e também uma das coordenadoras do TADP.

"Tentou-se uma série de manobras para remediar os problemas, incluindo mais um desvio de poço, mas todas falharam. Então, para preservar recursos e viabilizar a perfuração no Marajó, decidimos encerrar o Acre", completa Fritz.

"Num primeiro momento, gerou um tipo de frustração, mas o que conseguimos já permitirá realizar pesquisa científica excepcional sobre a origem da amazônia", pontua Sawakuchi.

Etapa no Pará

A próxima etapa do TADP ocorrerá no município de Bagre, na Ilha do Marajó. A perfuração no Pará está prevista para começar neste mês. O equipamento de sondagem saiu de Rodrigues Alves, no Acre, e chegou à região em 31 de março, após 29 dias e cerca de 3.800 km de trajeto de balsa via rios Juruá, Solimões e Amazonas.

Espera-se atingir até 1.250 m de profundidade no subsolo em um período estimado de três meses. Os pesquisadores acreditam que a espessura dos sedimentos do Pleistoceno e Plioceno seja maior no Marajó. Com isso, será possível reconstituir com mais precisão a história da amazônia nos últimos 5 milhões de anos.

"Outra diferença é que o Marajó já está próximo à foz do rio Amazonas e recebe sedimentos de rios que drenam não apenas a amazônia, mas também o cerrado. Portanto, há expectativa de reconstituirmos também a história do cerrado e do clima da região Centro-Oeste", diz Sawakuchi.

Na nova fase, os pesquisadores vão aplicar os aprendizados adquiridos nos trabalhos no Acre. "No Pará, a questão é que o melhor local em termos de geologia conhecida não é o melhor local em termos de logística", explica Fritz.

"Com base em algumas das lições aprendidas no Acre sobre os obstáculos à logística e ao sucesso da perfuração, escolhemos um local alternativo com geologia semelhante, mas menos desafios logísticos. Isso também deverá poupar recursos."

Assim como no Acre, os pesquisadores vão lidar com rochas pouco consolidadas, o que impõe dificuldades. "Nunca se sabe como as rochas irão se comportar", diz Sawakuchi. "No Acre, era esperado atingir rochas coesas abaixo de 300 a 400 m, mas encontramos rochas inconsolidadas abaixo de 900 m."

Ações educativas

Clebinho Rodrigues (PSD), prefeito de Bagre, comemora a chegada do projeto à cidade. "Já movimentou aqui a economia em diversas áreas e também o imaginário da população, que fica sempre especulando sobre pesquisas em busca de petróleo, ouro e minério, algum outro tipo de riqueza que possa ser encontrada no subsolo."

Para evitar a disseminação de desinformação e pensando no impacto do projeto na comunidade, o Núcleo de Apoio à Pesquisa em Patrimônio Geológico e Geoturismo do Instituto de Geociências da USP, o GeoHereditas, realizará ações educativas no local.

"Assim como foi feito no Acre, vamos fazer um workshop com os atores sociais mostrando o que é o projeto, fazendo intervenções nas escolas, mostrando a geologia do local e realizando um curso de formação com os professores", diz Maria da Glória Motta Garcia, coordenadora do GeoHereditas.

"Trabalharemos também no inventário do patrimônio geológico e na geodiversidade da região, com margeamento com drone para pegar vários tipos de imagem e fazer produtos de divulgação", explica.

O que acontece com as amostras após serem retiradas do subsolo

SAÍDA DO SUBSOLO

O testemunho (amostra cilíndrica de rocha) chega à superfície dentro de um cilindro de aço (camisa) com 3 m de comprimento e 8,3 cm de diâmetro.

RETIRADA DA AMOSTRA

A amostra da caixa de molas (chamada de "core catcher") é retirada para descrição do tipo de rocha e outras análises preliminares. Depois, a amostra é arquivada como parte do testemunho. A função do "core catcher" é impedir a queda do testemunho durante sua remoção de dentro da coluna de perfuração.

TUBO DE PVC

Os testemunhos são encapsulados em tubos de PVC para armazenamento e transporte.

CORTE EM SEÇÕES

O testemunho é dividido em seções de até 1,5 m de comprimento.

IDENTIFICAÇÃO

Em seguida, é feita a identificação, a medida do comprimento e a pesagem do testemunho para registro em banco de dados.

TOPO

O topo é marcado com uma fita azul para ordenação das seções quanto à profundidade perfurada.

BASE

Já a base é marcada com uma fita vermelha, também para a ordenação das seções em termos de profundidade.

DESCRIÇÃO SEDIMENTOLÓGICA

A identificação da rocha e a descrição preliminar é feita por meio de lupa.

ÁGUA DE PORO

A extração da chamada água de poro das rochas permite a investigação dos aquíferos. A análise desse material será feita posteriormente.

LUMINESCÊNCIA

A luminescência dos grãos de quartzo e feldspato extraídos das amostras de "core catcher" é usada para análises preliminares sobre as áreas onde os sedimentos foram produzidos.

MICROBIOLOGIA

A cada 50 m, são coletadas amostras para análise dos micróbios que atuam no ciclo do carbono. Esse material também será estudado posteriormente.

GÁS NATURAL

É realizado também o monitoramento dos hidrocarbonetos gasosos e do dióxido de carbono liberados dos poros da rocha.

TESTEMUNHOS

Serão transportados para a Universidade de Minnesota, nos EUA, onde serão abertos para descrição detalhada e coleta de amostras. As análises serão realizadas em diversas universidades de Brasil, EUA, Panamá, França, Holanda, Dinamarca, entre outros países
A repórter Adriana Farias é bolsista no programa de jornalismo científico e de pesquisa sobre mudanças climáticas Globais da Fapesp integrado ao TADP

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