Adriano Azevedo

​Axexê: uma obrigação de renascimento para a nova vida
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O Axêxê é o ritual fúnebre ocorrido dentro dos Terreiros de Candomblé da nação Keto. Esta palavra é uma corruptela advinda do Àjèjé, que é o ritual de vigília do Caçador, onde a partir do mito sobre a morte de Oxossi, Olú Odé - o Grande Caçador, cânticos em forma de oração foram entoados durante sete dias, ao qual toda comunidade dançava, comia e bebia em homenagem ao falecido. No último dia, um grande ebó com os pertences do Caçador, juntamente com as comidas de sua preferência foram colocados no local determinado a partir do jogo de búzios, para que o espírito pudesse receber tal oferenda. Por este motivo, Oxossi tem o epíteto de “dono do Axêxê” e, a maioria das canções faz referência a ele e a Sociedade dos Caçadores, identificada como Omorodé – filhos do Caçador. 

Nas nações Angola e Jêjê, o ritual fúnebre tem seu nome de acordo com o dialeto específico de cada nação. Na língua quicongo, oriunda do subgrupo das línguas bantas, e que faz referência a nação Angola, esta cerimônia é chamada de Mukondo. Já na nação Jêjê, Sirrum. Entretanto, assim como os Orixás, que são divindades da nação Keto e, se popularizaram na diáspora sendo associados e sincretizadas aos Inkisis (divindades da nação Angola) e Voduns(nação Jêjê), onde a língua nativa é o ioruba, a palavra Axêxê - Áṣèṣé, se entranhou a linguagem das duas nações supracitadas, onde os povos dos Terreiros Angola e Jêjê se referem as suas obrigações fúnebres como Axêxê. Salvo alguns Terreiros mais antigos e tradicionais que ainda fazem uso da nomenclatura corrente. 

Não obstante a esta associação, vale lembra que os elementos utilizados no Axêxê, Mukondo e Sirrumtambém são distintos, pois seus ritos, liturgias eprincipalmente a linguagem, ou seja, as cantigas que são entoadas em sua língua corrente têm seus próprios significados, o que as difere e legitima como nação.

No que tange as cerimônias fúnebres do Candomblé em suas distintas nações, elas têm como função primordial encaminhar o espírito do falecido a partir de seus ritos, sendo que este é o último ato da pessoa iniciada, pois como seu corpo passou por sacralizações durante sua estada no Ayê (terra), às obrigações pós-morte devem acontecer como manda a tradição de cada nação, onde é necessário fazer a dessacralização do corpo, para que este seja entregue a quem de direito. Os Ancestrais mais velhos daquela família de Axé são invocados para participarem do ato, pois aquele jovem espírito precisa ser orientado em sua nova vida, para que haja o desligamento dos apegos materiais, e que sua nova jornada seja concluída com êxito, objetivando a ancestralidade e o retorno à sua origem.

Falando especificamente do Axêxê, todo ato é dançado em volta de uma cuia (cabaça cortada ao meio), onde, ali se faz a representação do falecido. Começa-se com o Ipadê – que já é o primeiro encontro dos grandes Ancestrais. Daí de forma hierárquica as pessoas vão dançando e, como uma troca de energia se é dado moedas corrente a pessoa que “roda a cuia”, onde a mesma salva o falecido colocando-as dentro da cuia validando a troca. Quando a última pessoa dança, a Mãe/Pai de santo encerra o primeiro momento. Uma roda com todos os presentes é formada e, cantigas específicas são entoadas. Depois se saúda os Orixás, e por fim, o grande progenitor dos povos iorubas – da civilização humana, Oduduwa.

No culto aos Eguns, esta dinâmica é bem diferente aos olhos de quem assiste o ritual. Os próprios Eguns é quem dançam. Não há necessidade da cuia, pois o espírito do falecido sempre se faz presente, materializado numa roupa toda branca, ele é acompanhado por outros Eguns mais velhos, onde de forma acanhada ele se apresenta ao público.Quem consegue compreender esta dinâmica, a tristeza se transforma em bons sentimentos, pois ali temos a certeza de que nosso ente será bem encaminhado, para assim se tornar mais um Ancestral para fortalecer aquele Axé; aquela família. 

Anterior ao Axexê se faz necessário adessacralização do corpo do falecido, o que tem que ser feito em corpo presente. No entanto, este ato pode acontecer após o sepultamento, como aconteceu em alguns episódios durante a pandemia.Contudo, o responsável da obrigação deve saber o que esta fazendo para não macular a tradição, tão pouco o corpo, pois é necessário que ele retorne como chegou.

Alguns Terreiros tradicionais de Salvador, onde alguns destes têm em seu corpo de Ogans, os Ojés, esta obrigação em corpo ausente é feita como manda a tradição da nação Keto. Contudo, não sãotodos os Terreiros que tem em seu quadro de Ogans, os Ojés, o que não deslegitima uma obrigação de Axêxê feita por Ogans. Entretanto, quando neste tipo de cerimônia os Ogans-Ojés são acionados, este encaminhamento é feito de forma mais precisa e direta, pois só eles, os Ojé Mariwô, conhecem e detêm o poder do mistério entre a vida e a morte, conseguindo auxiliar o jovem espírito em sua nova caminhada, e, confortando aqueles que ficaram. Conscientizando que a morte não é o fim, eensinando-nos o aprimoramento da nossa probidade. Preparando-nos para o momento da morte que é inevitável, para que tenhamos uma morte digna, e que o nosso espírito seja bem recebido pelos nossos mais velhos e, aqueles que ficaram, sejam confortados a partir da Fé.


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