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O Orixá que me rege: um testemunho de Fé

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O Orixá que me rege: um testemunho de Fé

O Orixá que me rege: um testemunho de Fé

Nós, do Candomblé, também acreditamos em Deus. Falamos desta forma porque “Deus” faz parte do léxico brasileiro, no entanto, dentro dos Terreiros de Candomblé, cada nação territorial em sua língua específica, este mesmo Deus pode ser chamado de Lissa na nação Jejê; Zambi – nação Angola e Olorun – nação Keto. Apresentei essa discussão no meu primeiro artigo aqui no Farol, intitulado “Candomblé: local de pedir intercessão aos deuses”. Por ser o “Grande Arquiteto do Universo”, Ele também atende pelo nome de Jah em hebraico; God em inglês, Dios em espanhol, Alláh em árabe e assim por diante... Portanto, percebo que o Deus único Criador do Céu e da Terra, transcende e se torna um ser Onipotente, Onisciente e Onipresente.

Estas linhas não são de um trabalho teológico, até porque a profundidade da fé e das religiões não se resume em um único parágrafo. Aqui estão as minhas “escrevivências” do que percebo sobre conceito de Deus, onde considero os Orixás como seus grandes assessores, que, mesmo sendo Onipresente, Ele precisa de auxílio para manter o mundo em consonância. Portanto, acredito em Olorun Babá Olodumare, que traduzido do ioruba para o português quer dizer: O Deus Supremo, onde os Orixás são os grandes mediadores da nossa aproximação a Deus, assim como Jesus é. 

A fé é um sentimento particular que não deve ser medida por terceiros, pois cada um tem a sua maneira em expressá-la. Muito visto destas manifestações, são os testemunhos de fé que são publicizados calorosamente em púlpitos neopetencostais, levando uma massa a reflexões diversas – onde muitas vezes infelizmente estes depoimentos vêm carregados de preconceito e intolerância. À vista disso, manifestarei em poucas linhas alguns fatos que presenciei ao longo da minha caminhada no Candomblé e, das reflexões que tive/tenho sobre o tema. Contudo, por motivos óbvios não citarei nomes, até porque são as próprias pessoas que deveriam testemunhar. E sem nenhum tipo de revanche com as outras religiões, só corroboro com tudo aquilo em que acredito. Darei, portanto, o meu testemunho, onde a força dos Orixás se fizeram e continuam se fazer presentes de forma mágica em minha vida, fortalecendo tudo aquilo que durante minha estada neste plano venho presenciando. Todos esses momentos fizeram com que minha fé permanecesse firme, amando cada vez mais a minha religião [vide artigos: O Candomblé e seus ciclos – parte 1, 2 e 3].

Certa feita, estava eu na casa de tia Stella numa daquelas noites de pizza e vinho – ela gostava muito de pizza de atum – quando uma ligação interrompe nosso lazer. Uma pessoa desesperada que estava com seu ente querido hospitalizado e sem diagnósticos médicos, procurava ajuda. Não pude ouvir o que a outra pessoa falava do outro lado da linha, mas, ao final da conversa, tia Stella disse: “Pode trazer!”. Minutos depois, chega uma ambulância aqui na roça e, com toda a calma do mundo – não sei de onde ela tirava tanta serenidade – pediu pra eu carregar a pessoa para dentro da casa do Orixá. Em suma, foram feitos todos os preceitos ritualísticos, a pessoa se cuidou espiritualmente saindo dias depois totalmente curada. A força dos Orixás e as mãos de Mãe Stella de Oxossi em ação. O outro episódio foi de uma pessoa que todas as quartas-feiras se fazia presente no Amalá pra Xangô. De muletas e com grande dificuldade para se locomover, sua assiduidade no Terreiro se apresentava em forma de fé. Para quem olhava, o problema parecia irreversível – sua atrofia lembrava algum tipo de paralisia. Algum tempo depois, a pessoa me apareceu andando normalmente, dirigindo um automóvel e sem muletas. Mais uma vez, a força dos Orixás em exercício. 

Outro fato interessante e bastante comovente, foi um rapaz que procurou tia Stella, pois estava com o pai hospitalizado num quadro bastante desesperançoso – era câncer. Tia Stella pediu que eu o levasse na casa de Exu. Assim eu fiz. Sem saber o que fazer, apresentei-o a Exu e orientei que conversasse com Ele da mesma forma que tinha me passado a situação, mas que, sobretudo, pedisse ajuda. O rapaz se ajoelhou e, aos prantos começou a conversar com aquela “Pedra”– Exu. Sair da casa para deixa-los à vontade. Ao terminar, o rapaz estava com o semblante triste, porém aliviado. Alguns meses se passaram e numa quarta-feira tia Stella mandou me chamar, e para minha surpresa era o rapaz. Ele havia retornado para nos agradecer. O resultado deste episódio foi: seu pai recebeu alta do hospital e, mesmo que ainda em tratamento oncológico, ele pode abraçar seu velho por mais algum tempo. Então, novamente, levei-o à casa de Exu, pois era para aquela energia que estava ali plantada que o rapaz deveria agradecer e oferecer todas as honrarias: Laroyê!

Como tudo na vida é diverso, o meu testemunho transpassa por algumas nuances. Com o objetivo de corrigir e ensinar, os nossos pais muitas vezes nos castigam quando o desobedecemos, e assim também são os Orixás. Eles nos orientam, advertem e repreendem, objetivando o respeito para que sejamos merecedores dos bons frutos. Pois bem: há aproximadamente 26 anos, Xangô mandou me dizer que não viajasse pra ilha como estava planejando, pois tinha algo pra fazer naquele dia aqui na roça. Dias antes, fui jogar futebol com uns amigos e me lesionei na perna esquerda entre a canela e a panturrilha. Não liguei, pois como coloquei gelo e conseguir firmar o pé no chão pensei estar tudo bem. No dia programado, lá foi eu pra ilha de Itaparica para uma festa de Egun – na época eu não era iniciado no culto a Egun. Para quem não conhece as festas de Egun são bastante diferentes da dinâmica das festas de Orixá. O barracão é fechado, pois só quem pode transitar pelo Terreiro são os iniciados – os Ojés, pois eles precisam controlar os Eguns em fase de evolução que ficam soltos no interior do Terreiro, cuja finalidade é vigiar e proteger a comunidade durante as obrigações. Como muita gente vai a essas festas, o barracão neste dia estava muito cheio e insuportável permanecer. Esperei uma brecha na porta e pulei pra fora. Aí, “é perna pra quem tem!”, corri para que os Eguns não viessem atrás de mim e, nem os Ojés me advertissem, pois sair sem estar acompanhado de um sacerdote é extremanente perigoso. Neste ínterim, no meio a escuridão me deparei com um desses Eguns que ficam soltos. Eles são chamados de Aparaká. O susto foi maior que tudo, e, por terem energia incompatível a de um ser vivo – peguei o que chamamos de “ má influência”.  

Ao retornar pra casa, percebi que a perna da lesão estava muito quente. Além de ter desobedecido à ordem de Xangô, esqueci completamente do compromisso que tinha firmado. Dia após dia, a perna inchava – ao ponto de não conseguir colocar mais o pé no chão, pois doía muito. Então, num domingo após a quarta-feira de Cinzas – dia do Olorogun, Afonjá, manifestado na atual Iyalorixá – Mãe Ana de Xangô, manda um recado pra mim por minha mãe Nivalda – minha genitora, e minha mãe cuidadora – Ojubonã, Ditinha de Iemanjá, hoje a Iyakekerê do Opô Afonjá. Com os olhos vermelhos, pois tentavam disfarçar o choro e, com semblante de assustadas, elas me passavam o recado de Xangô, aonde teria de ir ao médico com urgência, pois  eu corria grande risco. Só que elas não me contaram tudo.

Na época, o Ogan Ribamar, hoje Obá de Xangô, era plantonista no hospital do Exército, ali na Ladeira dos Galés, então, em caráter de emergência, ele marcou uma consulta pra mim. Meu pai, o velho Adriano (in memoriam), foi o meu acompanhante e presenciou todo o procedimento. Ele olhava pra minha perna com a feição de pavor. Sem poder ver o que acontecia, o enfermeiro me mantinha deitado na maca. Pra vocês terem uma ideia, todo o procedimento foi feito sem anestesia, pois a perna já estava em fase de putrefração. Após o procedimento, o médico – ao perceber minhas guias no pescoço e uma fitinha vermelha amarrada na perna, disse: “Você deve ter alguma proteção mágica.” E enfatizou: “Se você deixasse para vir hoje à tarde, eu iria amputar a sua perna”. Caí em prantos! Entrei no hospital de cadeira de rodas e saí andando.

Em suma: a minha desobediência resultou neste infortúnio. Hoje, carrego uma cicatriz horrível na perna, além de enormes varizes. Mas, graças a Xangô, posso caminhar normalmente. Ele me orientou que não fosse pra Ilha, e desobedeci! Talvez a lesão do futebol remediasse com repouso, no entanto, além do não cumprir com o combinado transgredir a sua ordem. Esse foi o resultado de tamanha insubordinação e, mesmo tendo sido desobediente meu bem estar foi primordial. Um pai de verdade jamais deixaria um filho padecer, e para isso foi necessário Ele se manifestar em forma física pra não deixar o pior acontecer, onde poderia ter perdido a perna ou talvez até a vida: em vista disso, este é o meu testemunho Fé.

Aproveito o espaço para fazer um apelo: seria de bom alvitre se, ao invés de postagens em redes sociais com fotos e vídeos revelando o sagrado e os nossos mistérios, os testemunhos de Fé e da presença viva dos Orixás; Inkises; Voduns ou Ancestrais em nossas vidas; seria a maneira mais pura em exaltá-los, sobretudo, estaríamos reafirmando a nossa resistência como povo descendente desta energia Ancestral, vital e intangível, mas que pode ser sentida em nossos corpos e corações – esse o mistério da fé!

Eu costumo dizer que: o mistério quando visto pelos olhos do não iniciado, sobretudo, quando o sagrado é publicizado em redes sociais, ele se torna lúdico, inclinando-se a perda da magia.  

Salve os Orixás;
Salve os Inkises;
Salve os Voduns;
Salve a minha; a sua; a nossa Fé!

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