Adriano Azevedo

Tia Celina: a Oxun que chegou em casa
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Memórias afetivas são sentimentos que ninguém nos tira. Tenho muitas lembranças de senhoras bem antigas daqui da roça. Senhoras que foram do tempo da fundação do Opô Afonjá, lá em 1910. Mas calma! Não sou tão antigo assim. Acredito que naquele tempo, as pessoas viviam mais. O meu povo, por exemplo, os da família Azevedo, o mais jovem partiu para o Orun com “85 anos bem vividos” – frase dita por ele mesmo – meu pai Adrianão. Pra vocês terem uma idéia, conheci uma filha de santo de Mãe Anninha que nasceu em 1900 e faleceu com 104 anos – sobre esta Inesquecível, contarei em outro momento. Pois bem... A minha inesquecível de hoje é tia Celina de Oxun, onde neste registro trago poucas informações biográficas, mas, muitas das minhas reminiscências da qual pude viver ao lado desta senhora. 

Segundo Neuza de Xangô – Obá Ladê, tia Celina foi iniciada por Pai por Vidal, que era filho de santo de Mãe Senhora. Seu orukó – nome de Santo era Oxun Delê – Oxun chegou em casa. Após o falecimento de Vidal, Mãe Senhora reuniu os órfãos a fim de saber quem desejava continuar a vida espiritual com ela. Então, a Inesquecível Haydê – já citada aqui, Oxun, dê-me Alegria: Tia Haidê - Artigos | Farol da Bahia; Namãe e tia Celina seguiram para o Opô Afonjá, para darem continuidade às obrigações que Pai Vidal havia começado.

Um dos poucos registros que tenho de tia Celina é um print do filme Tenda dos Milagres que foi gravado aqui no Opô Afonjá em 1977. Ela era vizinha de tia Epfânia, outra Inesquecível que também foi lembrada aqui nesta série, e participou também desta película – veja aqui: Tia Epfânia: um Ogun menino - Adriano Azevedo | Farol da Bahia. Tia Celina teve um cargo de suma importância no Opô Afonjá. Era ela quem dançava o Ipadê – ritual de encontro com a Ancestralidade – Aqui no Farol, existe um pequeno artigo falando sobre este momento - Ipadê: o encontro da Ancestralidade - Artigos | Farol da Bahia.

Foto: Divulgação

Outro momento que lembro com muita saudade, era quando ela colocava uma mesinha na frente de sua casa. Com uma panela imensa e bem areada, ela mandava chamar todas as crianças do Terreiro para tomar do mugunzá. Cada um tinha que levar seu caneco – naquele tempo copo descartável era uma raridade. Às vezes era tanto mugunzá, que ela pedia pra pegarmos vasilhas em casa pra poder levar um pouco mais. Eu fazia a festa [risos]... Era mugunzá de manhã, tarde e noite. Ah! Ainda tinha pipoca! Não sei se vocês recordam, mas antigamente a camisa servia pra amontoar coisas. Eram frutas, balas, bolinhas de amendoim, pipocas etc... Quando rolava “galinha gorda” então, a camisa servia como sacola. Ficava toda amarrotada. Então, após deixar a vasilha de mugunzá em casa, voltava para pegar a pipoca. Puxava a camisa e ali ela colocava os punhados generosos de pipocas, que eram estouradas na areia quente – coisas de quem é de Axé.  

Foto: Divulgação

Em conversa com Cida de Nanã, ela disse que esta oferta que tia Celina fazia foi de uma promessa que havia feito ainda com sua mãe viva, que era de Nanã. Salvo engano, isso acontecia sempre no Dia dos Avós, onde tia Celina ia na missa de Nossa Senhora de Santana e depois fazia o seu “ofertório” na roça. Nossa Senhora de Santana é a mãe da Virgem Maria e avó de Jesus. Nossa Senhora de Santana é sincretizada com o Orixá Nanã, e, talvez por isso a sua promessa tenha ligação com sua mãe. 

Tia Celina se foi, mas deixou seu legado e muita saudade. Hoje, egbome Cida segue aquecendo a tradição em dar mugunzá e pipoca para as crianças do Axé e da Escola – promessa individual, no entanto, a memória de tia Celina permanece viva, onde, mesmo que por motivos diferentes a manifestação de Cida nos dar a sensação de que a tradição nunca morre. Portanto, tia Celina permanece viva em sua essência. 

Salve a Oxun que chegou em casa.
 


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