Centro de Recuperação de Almas (Crerá) ajuda dependentes químicos a se livrar das drogas

Instituição já atendeu mais de 7 mil pessoas

[Centro de Recuperação de Almas (Crerá) ajuda dependentes químicos a se livrar das drogas ]

FOTO: Gilberto Junior / Farol da Bahia

Há 14 anos um casal resolveu devolver dignidade e vida a pessoas em condição de rua, consideradas marginalizadas pela sociedade, na maioria, portadores de dependência química. Foi assim que, em 2006, nasceu o Centro de Recuperação de Almas (Crerá). 

Tudo começou quando sem qualquer comunicado público ou aviso à população da região, a Prefeitura Municipal de Salvador demoliu as instalações do Clube Português, na Pituba, enquanto os últimos integrantes do Movimento dos Sem-Teto de Salvador (MSTS) retiravam seus pertences. Lá moravam cerca de 50 famílias. Sensibilizados com a situação, Gilson e sua esposa Lindinalva Santos de Souza, que possuíam uma borracharia na proximidade, iniciaram o trabalho de alimentar as famílias. 

Gilson, que gostava de pescar, sofreu um acidente. Uma onda derrubou o seu barco e com isso, ele fraturou duas vértebras, a situação o deixou paralítico. Com muita fé, Gilson fez uma promessa, se recebesse a cura do seu problema iria dedicar a sua vida, ao lado da esposa, a cuidar de pessoas carentes. Por um milagre, Gilson ficou curado, voltou a andar, e daí iniciou seu trabalho de amor aos mais necessitados.

O casal, que são pastores da igreja evangélica, começou o trabalho assistencial num local de 90 metros quadrados, onde funcionava uma antiga padaria. Na ocasião, o proprietário do imóvel cedeu as chaves. Eles realizaram uma reforma no local que começou a funcionar como centro de triagem do Centro. Segundo Lindinalva, em pouco tempo eles já estavam atendendo 80 pessoas no local. 

Com o decorrer do tempo, algumas famílias foram saindo e sendo enviadas para outros locais, ficando só jovens e adultos do sexo masculino, na maioria, enfrentando o vício das drogas. Gilson e Lindinalva, além dos alimentos, também ofereciam “a palavra do Senhor”, que segundo ela, o homem precisa de espiritualidade. 

No início os assistidos iam fazer suas refeições diárias no local, após isso, seis meses depois, o casal resolveu abriga-los. Eles fizeram o convite a mais de 40 pessoas que atendiam, e apenas três delas aceitaram o confinamento.

O Crerá começou a crescer, o trabalho passou a ser conhecido na região e mais pessoas foram abrigadas pelo casal. 

“O estado não tem sabedoria para lidar com as pessoas dependentes químicos. A dependência química é uma doença. É uma doença progressiva e fatal. Se você não procura ajuda, acaba morrendo. Naquele tempo o bairro da Pituba tinha muitas pessoas nessa condição. Hoje você não vê mais. O índice caiu uns 80%, devido ao trabalho do Crerá”, ressaltou Lindinalva.

O Centro começou a receber internos indicados pelo Ministério Público estadual, pela Defensoria Pública, vieram pessoas de outros estados e países. Daí se iniciou o trabalho de recuperação do Crerá.

De acordo com Lindinalva, o Centro já atendeu mais de 7 mil pessoas. Muitas delas se recuperaram da dependência química. O Crerá atende pessoas de 18 até 65 anos. O tratamento no Crerá dura nove meses.  

O Crerá tem ainda o objetivo agora de construir um Centro de atendimento às mulheres e uma creche para atender aos filhos das internas. 

“Como não contamos com a ajuda do governo, lançamos campanhas para arrecadar fundos para estas construções. Só o muro que precisamos fazer vai valer R$ 30 mil. Acredito que daqui a quatro meses vamos começar a atender as mulheres. Já temos um caderno com vários nomes”, informou Lindinalva.

Empregos

Lindinalva informou ainda que a maioria dos internos já saem do Centro com oportunidade de trabalho. 

“Nós contamos com a ajuda de muitos empresários. Recentemente, saíram quatro internos com empregos certos em uma construtora. Fazendeiros da região também pedem indicação dos meninos. Assinam a carteira deles”, disse.

“Temos aqui meninos com lindas profissões. Já passaram por aqui advogados, engenheiros, serralheiros, consultor financeiro. Um dos nossos internos reabilitado virou empresário, abriu uma delicatessen na Ribeira. Atendemos pessoas de todas as classes.”, informou Lindinalva. 

Tratamento

Lindinalva explica que no Crerá não existe nenhum tratamento com medicações para a reabilitação da dependência química.

“Nós usamos a palavra de Deus aqui, as outras clínicas dão remédios de tarja preta. Eles ficam topados. Já recebemos algumas pessoas de outros locais e aqui nós fizemos o desmame dessas medicações. O nosso tratamento é o evangelho. Quem salva é Jesus. Se o filho nos libertar, verdadeiramente sereis livres. Aqui as pessoas são libertas pela palavra de Deus”, ressaltou.

O Centro dá ao interno três chances para se reabilitar. Alguns acabam não resistindo e retornam ao vício. 

“A demanda dos casos de dependência química é muito grande. Tem crescido independente de cor, de raça, de condições sociais, e idade. Recebemos muitas pessoas durante o dia, a triagem continua sendo feita na Pituba, e hoje contamos com nosso Centro em Lamarão, em São Sebastião do Passé”, disse a pastora.

Conforme o casal de pastores, o Crerá trabalha a autoestima dos internos, realizando trabalhos laborais, palestras, trabalho com os familiares. 

“Aqui eles aprendem a fazer marcenaria, plantações, construções, oferecemos cursos de soldador, aqui eles aprendem a cuidar de animais. Temos aqui um mini zoológico. Um empresário que traz os animais pra cá. Tudo isso ajuda as pessoas. Cada um desses meninos veio de famílias com problemas financeiros, problemas existenciais, seus pais, sem educação, já vieram com a alma ferida de lá, e aqui devolvemos a autoestima a eles. Mostramos a eles que existe um Deus que os ama, independente de serem rejeitados. Existe um Deus que acolha eles. Aqui acolhemos eles, damos amor, aqui tem alguém para dar disciplina a eles”, explicou.

O Crerá consegue dar aos internos uma mudança que surpreende os familiares. “Aqui trabalhamos a mudança espiritual, física e mental. Restauramos essas três áreas na vida deles. Infelizmente, ainda tem muitos que resistem ao tratamento, embora aconteça mais no início do internamento, quem fica uma semana, dificilmente desistem. Nos oramos muito. Entregamos nas mãos do Senhor esse lugar. Nunca tivemos problemas de brigas entre eles. O índice de abstinência aqui é quase 0%”, declarou Lindinalva.

O Centro já contou uma vez com a ajuda do estado, mas os pastores acreditam que os governantes não abraçam a causa por causa da religião. O convênio não foi renovado.

A pastora Lindinalva foi empresária, dona de um salão de beleza, já foi corretora, se formou em direito, abriu mão de tudo pelo projeto. “Eu e meu marido somos pessoas sérias, entregamos a nossa vida em recuperação dessas vidas que estão à margem da sociedade”, disse Lindinalva.

O casal se divide nas tarefas. A pastora fica mais no Centro de Triagem, na Pituba, em Salvador e Gilson em São Sebastião do Passé.  

Depoimentos

Um dos internos, Alessandro Pereira, 33 anos, afirma que conheceu o projeto há sete anos, quando enfrentou problemas com a dependência química. Ele conta que ficou nove meses e sete dias em tratamento no Crerá, ele ficou cinco anos e meio sem fazer uso de drogas. Alessandro teve uma recaída e após um ano e meio retornou ao tratamento.

“Estou aqui há sete meses me esforçando para me recuperar de vez. E pretendo ficar após os nove meses de tratamento no Centro. Estou fazendo o melhor do que eu posso fazer aqui para que eu não tenha novas recaídas”, disse.

Marcos Vinícius, de 29 anos, disse que o Crerá é sua casa e que ele se apegou primeiramente a Deus. Aprendi muita coisa aqui que não tinha aprendido lá fora. A primeira coisa que eu faço ao acordar de manhã é forrar minha cama, lavar minhas roupas, aprendi aqui a cozinhar, cortar lenha, molhar plantas. Conheci Jesus Cristo aqui dentro e foi o que me libertou do vício das drogas”, informou.

Alexandro de Jesus, de 42 anos, conheceu o Crerá através de um colega que o convidou para conhecer o projeto. Ele passou seis meses em tratamento na época. Passou nove anos longe das drogas e recentemente teve uma recaída.

“A única porta que eu achei foi aqui no Crerá. Aqui eu recebi acolhimento dos pastores. O pecado me fez entrar em recaída. Casei, me adulterei, me envolvi com uma pessoa e comecei a beber e usar drogas, mas foi por pouco tempo. Retornei pra cá para que a minha situação não se agravasse”, revelou.  


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