Perda de apetite após derrame, abre nova porta para desvendar o mecanismo cerebral que regula a fome

A paciente passou a relatar que não sente mais fome, apesar de manter intactas as percepções associadas ao paladar e ao olfato

[Perda de apetite após derrame, abre nova porta para desvendar o mecanismo cerebral que regula a fome]

FOTO: Mart Production/Pexels

O acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico de uma mulher canadense de 28 anos virou caso de estudo. O AVC afetou uma ínsula posterior esquerda de seu cérebro. A paciente pareceu se recuperar em 11 dias. Porém, sete meses após a alta hospitalar e sem nenhum tratamento farmacológico, ela passou a relatar que não sente mais fome, apesar de manter intactas as percepções associadas ao paladar e ao olfato. Ela perdeu o apetite, e suas comidas favoritas não lhe dão mais prazer.  

Uma pesquisa da Universidade de Montreal, no Canadá, liderada pelo neurocientista Dang Khoa Nguyen e publicada na revista Neurocase, acredita que, com este caso, uma nova região do cérebro envolvida com a sensação de apetite tenha sido descoberta. 

No entanto, outro neurocientista, José María Delgado, da Universidade Pablo de Olavide, em Sevilha, na Espanha, alerta que existem mais regiões cerebrais relacionada à fome e que que aquela afetada pelo episódio da canadense tem ligações com as já aninhadas e que, além do "regulamento meramente metabólico da dieta, exercido pelo cérebro, há outra estrutura muito relevante do ponto de vista cognitivo". Dessa forma, o controle da fome não depende de uma única "alavanca", segundo o pesquisador espanhol. O apetite é complexo e não possui um único gatilho.

Mas de acordo com o pesquisador canadense, "evidências crescentes apontam que a ínsula desempenha um papel importante no saber, na interocepção [capacidade de reconhecimento de estímulos interno] e no processamento emocional". E acrescenta: "Provavelmente integra funções diferentes para contribuir para o controle homeostático [autorregulação da constância das propriedades de um sistema influenciado por agentes externos] da ingestão de alimentos", afirma Nguyen.

Delgado compartilha que a ínsula cerebral pouco conhecida, está mais associada a "tarefas de regulação das funções viscerais e interoceptivas, ou seja, dos receptores sensoriais internos, de modo que, entre suas possíveis funções metabólicas, pode estar também a regulação da ingestão alimentar".

No entanto, o neurocientista espanhol destaca que, "embora os autores do artigo não o mencionem", sabe-se que "a ínsula tem ligações com o hipotálamo lateral, onde se localiza o suposto centro da fome e, também, com um núcleo accumbens, cuja ativação produz a sensação de recompensa ou satisfação após a realização do que se busca: comida, água, etc.".

Delgado, autor da pesquisa sobre regulação da fome, especifica que "é o hipotálamo, um pequeno centro nervoso que não representa mais de 1% do peso total do cérebro, que regula todas as funções metabólicas endócrinas". O neurocientista considera consistente que, se um AVC afetar o centro da fome ou alguma estrutura que o ativo, a vontade de comer é perdida. 

No entanto, ele esclarece que esses sistemas apenas explicam o apetite do ponto de vista da regulação meramente metabólica da comida. Nesse sentido, acrescenta: "Existe uma outra estrutura que regula a alimentação do ponto de vista cognitivo, ou seja, uma coisa é não comer por muito tempo, baixando a glicemia e acionando o centro da fome, que é um mecanismo fisiológico, e outra são os mecanismos do tipo cognitivo, que o levam a comer uma comida apetitosa, mesmo que não tenha fome, ou a jejuar porque está com raiva e perde o desejo", fala Delgado. 


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