Adriano Azevedo

Senhorazinha: a mãe que olha seus filhos com esmero
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A Inesquecível de hoje é Antonina Maria dos Santos, carinhosamente chamada de Senhorazinha. Nascida na região de Amaralina, na cidade do Salvador, em 3 de maio de 1903. Senhorazinha teve dois filhos: Edith e Edson. Iniciou-se para a Orixá Oxun no Ilê Axé Opô Afonjá pelas mãos de Maria da Purificação Lopes – Mãe Bada, passando a se chamar: Oxun Gerê.

A minha relação com Senhorazinha começa desde a barriga de minha mãe. Quando nasci, sua filha Edith, mais conhecida por Ditinha de Iemanjá – filha de santo de Mãe Senhora, era muita amiga de minha mãe (amizade que dura há décadas), ao ponto de eu chamar Ditinha de mãe. A relação familiar era tanta que, quando minha mãe Nivalda precisava sair, quem cuidava de mim era “minha mãe Ditinha”, fato que – anos mais tarde – resultou na decisão dela se tornar minha Ojubonã – mãe pequena (a mãe cuidadora). A partir deste parentesco, passei a chamar Senhorazinha de Vóinha, assim como Heleno; Alencarzinho; Marquinho; Fofinha e Ana - todos os filhos de minha mãe Ditinha a chamavam.

Tenho muita lembrança de Vóinha varrendo a roça com ingaço de coqueiro: ela não parava! Andava por toda a roça – com as mãos pra trás – olhando o chão; catando folhas e cantarolando. Sempre parava pra descansar na fonte de Oxun, onde ficava conversando e sempre cantarolando. Era rezadeira de mão cheia. Lembro-me que quando caía doente, era ela quem me rezava. Ela catava umas pedras de laterita (Yangi) – das que até hoje tem do lado do barracão de festas – e começava a passar no meu corpo, falando coisas bem baixinhas. Eu não conseguia compreender o que ela falava: só sei que não tinha doença que ficasse depois que Vóinha rezava. Minha mãe Ditinha disse que nessas andanças dela pela roça, encontrou defronte à casa de Ogun uma grande pedra de incenso. Os antigos diziam que nesta região tinha muita pedra deste tipo.

Vóinha tinha o título de Iyá Tojuomo – os olhos da mãe: a mãe que olha os filhos com esmero. Ela era responsável pelas crianças do Axé e, com sua fama de exímia rezadeira, os pais da roça e do bairro de São Gonçalo levavam seus filhos para serem rezados e orientados por ela, visto que estavam sempre sob seus olhos cuidadosos. No barracão de festas, ela ficava sentadinha, atenta a tudo. Com seus tamanquinhos na mão – dois pedaços de madeira com fivela de couro preso às palmas, ela acompanhava os atabaques dando o compasso, como uma espécie de metrônomo, ato que, muitas vezes, ajudava o Alagbê a entrar no tempo certo da cantiga. Vóinha era um doce: ouvir sua voz era um presente, pois quase não falava. Nunca vi Vóinha alterar a voz com ninguém.

Quando eu ficava em sua casa, aos cuidados de minha mãe Ditinha, Vóinha também ajudava. Lembro-me que quando terminava de tomar banho, ela sempre passava alfazema em mim. Perguntava pra Ditinha se eu já tinha comido alguma coisa. E, na hora de dormir, ela sempre nos abençoava e fazia o sinal da cruz em mim e Fofinha. Sempre falando coisas bem baixinho. No ano de 1999, aos 96, Vóinha partiu para o Orun, deixando muita saudade e a sensação de que seus olhos ainda nos olham com cuidados. E tenho certeza que assim estão.

 


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