[Vislumbres da natureza ]

FOTO: Arquivo Pessoal/Reprodução

Curioso e sempre uma reflexão construtiva é cavoucar na mente o caminho inverso de aprendizados, com enorme impacto para uma vida inteira. Estudar e envolver-se com a obra e conceitos de um autor significa permitir-se desprender de velhas concepções de mundo, uma daquelas rupturas quase existenciais. O legado do naturalista prussiano, Alexander von Humboldt, que esteve na América do Sul no século 19 para explorar a natureza do continente, trouxe-me esse impacto, principalmente no que diz respeito à gênese e profundidade da literatura de viagem romântica, que influenciou, entre tantas coisas, a reelaboração das ciências humanas.  
 
O romantismo é fruto da demanda de uma época de mudanças, num momento em que o intercâmbio cultural Europa e América surtia efeitos em ambos os lados. Os moldes do romantismo, de fato, encaixavam-se perfeitamente num discurso que prima por descrever a dramaticidade das forças ocultas, atuando na natureza selvagem de terras praticamente virgens e desconhecidas dos europeus. Eis o refinamento de Humboldt: criou o romantismo para falar da América. 
 
Humboldt tinha a preocupação de mesclar o mundo natural ao mundo humano. Para ele, não se fazia ciência sem observação, sem contextualizar, além da necessidade de falar sobre o que se viu e experimentou, propondo assim a reformulação da linguagem científica. Essa nova linguagem é característica de um romantismo que Humboldt ajudou a criar num modo de analisar o embate dos elementos naturais, que precisam ser conhecidos por meio dos vislumbres, insights, que estão na cabeça do cientista.  
 
Humboldt, assim, descola o objetivo da ciência moderna: não mais a morfologia, e sim perceber a dinâmica das forças ocultas que agem na natureza. Pela descrição da natureza dramática de Humboldt, sua escrita agradou aos leitores europeus porque retratava uma natureza fantástica, selvagem e essencialmente americana, o que apenas reforça a ideia de construção de realidade do romantismo de Humboldt. 
 
Tem uma imagem da primitividade natural presente no discurso de Humboldt, com resquícios de uma leitura romântica das leituras tradicionais de Cristóvão Colombo ao escrever narrativas sobre uma natureza exuberante que necessitava ser civilizada pelo homem europeu, o único ser capaz de resgatar a América ao mundo. Humboldt, assim como Colombo, resgata o estado da natureza primal relacionado à perspectiva de intervenção transformadora por parte da Europa. 
 
Humboldt descolou-se dos métodos dos cientistas de gabinete e, em campo, pensou além do clima, do meio ambiente e analisou um conjunto de fatores geográficos que interferem na vida natural e na vida humana. Ao coletar uma massa de saberes que possibilitariam a exploração da América, a partir de vislumbres, propôs um novo tipo de consciência planetária. Escreveu sobre a fauna local como se existissem contrações de forças invisíveis, agindo indiretamente na natureza primal.  
 
O legado de Humboldt é sua atemporal sensibilidade, suficiente para “fazer a trama acontecer”, captando sinais de acontecimentos passados e vislumbrando num futuro. 


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